ABREN na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas
O Palco Global onde o biogás e biometano buscam seu lugar de destaque na transição energética
Mesmo em meio à intensa agenda de compromissos durante a COP30, conseguimos um espaço na agenda do presidente da ABREN, Yuri Schmitke, para uma conversa exclusiva com o Portal Energia e Biogás.
Sobre a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que está acontecendo em Belém do Pará, Yuri compartilhou conosco, com franqueza e profundidade, as perspectivas da ABREN sobre o papel estratégico do biogás, biometano e da recuperação energética de resíduos na transição para uma economia de baixo carbono.
Nesta entrevista especial, ele revela como a COP30 pode redefinir o posicionamento do Brasil no cenário climático global, detalha os avanços regulatórios esperados, os desafios que ainda precisam ser superados e o potencial de investimentos que pode transformar o país em uma potência da bioenergia e da economia circular.
A seguir, você confere a entrevista completa.
1. Qual o significado de a COP30 ser no Brasil e como a ABREN pretende aproveitar o "campo em casa" para posicionar a recuperação energética de resíduos como uma solução climática prioritária nas discussões globais?
Yuri Schmitke: A realização da COP30 no Brasil tem um significado simbólico e estratégico. O país abriga a maior biodiversidade do planeta, possui uma matriz elétrica majoritariamente renovável e concentra alguns dos desafios climáticos mais urgentes, como o manejo inadequado de resíduos e a consequente emissão de metano, um gás cujo impacto climático é até 86 vezes maior que o do CO₂. Receber a conferência em
Belém reforça o papel do Brasil como protagonista no debate sobre soluções reais para a mitigação das mudanças climáticas.
Para a ABREN, esse “campo em casa” representa uma oportunidade única de posicionar a recuperação energética de resíduos como uma solução climática prioritária. Trata-se de uma tecnologia já consolidada internacionalmente, reconhecida pela ONU, pela União Europeia e por diversos países como essencial para atingir metas de metano zero, reduzir a dependência de aterros sanitários e promover segurança energética. Nosso objetivo na COP30 é mostrar que o Brasil pode, e deve, integrar a biodigestão e a recuperação energética ao seu portfólio de soluções de baixo e zero carbono. Isso passa pela construção de um marco regulatório adequado e pela criação de mecanismos para viabilizar a compra da energia gerada por essas usinas.
A ABREN está presente na COP e trabalha para aproximar formuladores de política, investidores e organismos internacionais, demonstrando que transformar resíduos em energia não é apenas uma solução ambiental, é uma oportunidade econômica, social e climática. A COP30 é o momento ideal para que o Brasil se posicione de forma concreta.
2. Quais são os resultados tangíveis que a ABREN espera levar para casa após a COP30? Há alguma negociação específica ou a assinatura de acordos de cooperação internacional em andamento?
Yuri Schmitke: A COP30 representa não apenas um espaço de debate, mas um momento de consolidação de agendas. A ABREN trabalha para que o Brasil volte da conferência com avanços concretos que fortaleçam a biodigestão anaeróbia e a recuperação energética de resíduos como política climática e instrumento de redução imediata de metano.
Entre os resultados tangíveis que esperamos, o primeiro é o reconhecimento, nas declarações e nos documentos setoriais, de que o controle do metano dos resíduos precisa ser prioridade global e de que as tecnologias de biogás, biometano e waste-to-energy desempenham um papel central nesse esforço. Também buscamos fortalecer a cooperação internacional. Outro resultado esperado é ampliar a participação do Brasil em iniciativas multilaterais voltadas à redução de metano e à economia circular, reforçando o compromisso com a agenda de metano zero.
Além disso, esperamos voltar com projetos encaminhados com organismos multilaterais e fundos de clima, capazes de destravar o primeiro ciclo de usinas no país. Em resumo, queremos que a COP30 deixe um legado institucional e regulatório que permita transformar intenção em implementação e, sobretudo, em resultados climáticos mensuráveis.
3. Biogás e Biometano no Palco Global: dentro da estratégia da ABREN, como o biogás e o biometano se complementam às tecnologias Waste-toEnergy (WtE) na missão de redução de metano e transição energética que serão debatidas na COP?
Yuri Schmitke: O biogás e o biometano são parte essencial na estratégia da ABREN e são complementares ao Waste-toEnegrgy. As rotas tecnológicas trabalham de forma integrada e dependem das circunstâncias de cada região. Atualmente, tanto o biogás quanto o biometano vivem um momento de transformação. O biogás ainda enfrenta o desafio de competitividade em relação às demais fontes renováveis, pois carece de um preço de referência que viabilize contratos de longo prazo.
Esse ponto está sendo endereçado no Projeto de Lei do Metano Zero (PL 3.311/2025), que propõe mecanismos de precificação e incentivos para a produção de energia elétrica e térmica a partir da biodigestão anaeróbia de resíduos urbanos, agropecuários e industriais.
A iniciativa também integra políticas de mitigação de emissões e cria instrumentos de governança que darão escala ao setor.
O biometano, por sua vez, desponta como o combustível do futuro, com papel estratégico na descarbonização dos transportes e na substituição do diesel e do gás natural fóssil. A partir de 2026, entram em vigor o Certificado de Garantia de Origem do Biometano (CGOB) e o sistema de créditos de carbono regulados (SBCE), que garantirão rastreabilidade, monetização das emissões evitadas e reconhecimento
internacional da sustentabilidade do combustível. Esse novo ambiente regulatório criará condições para atrair investimentos, ampliar a infraestrutura de distribuição e consolidar o biometano como uma das principais apostas do Brasil rumo à economia de baixo carbono.
4. Além do painel no Pavilhão ABDI, quais são as principais mensagens e propostas regulatórias que o senhor e a associação estão levando diretamente aos tomadores de decisãoe formuladores de política presentes no evento?
Yuri Schmitke: A ABREN está levando à COP30 uma agenda regulatória estruturada e diretamente orientada aos principais tomadores de decisão. Nossa mensagem central é que não há transição energética eficaz sem enfrentar o passivo climático dos resíduos, hoje uma das maiores fontes de metano no Brasil e no mundo.
Portanto, a recuperação energética precisa ser tratada como tecnologia estratégica de mitigação e integrada às políticas nacionais de clima, saneamento e energia. Também estamos reforçando a importância de integrar o WtE às estratégias brasileiras de cidades inteligentes e economia circular.
Nossa intenção é mostrar que a recuperação energética não compete com a reciclagem, ao contrário, ela complementa o sistema e elimina a dependência de aterros.
A ABREN chega à COP30 para dialogar e construir, apresentando propostas concretas que podem transformar uma necessidade ambiental urgente em oportunidade econômica, social e climática para o Brasil.

5. O Programa Nacional de Recuperação Energética de Resíduos (PNRE) é citado como crucial. De que forma a COP30 pode criar um impulso político para a sua aprovação e implementação, e quais os instrumentos de incentivo mais importantes no projeto?
Yuri Schmitke: O Programa Nacional de Recuperação Energética de Resíduos (PNRE) é peça central para que o Brasil avance em uma política climática moderna e eficaz. Ele traduz em regras, metas e instrumentos concretos aquilo que o país já reconhece como urgente: reduzir rapidamente as emissões de metano dos resíduos e substituir gradualmente a dependência dos aterros por soluções de economia circular.
A COP30 pode gerar exatamente o tipo de impulso político necessário para destravar o PNRE. Quando o Brasil sedia uma conferência dessa magnitude, há uma convergência rara entre visibilidade internacional, pressão diplomática e prioridade interna. Ao evidenciarmos que o setor de resíduos é hoje uma das maiores fontes de metano do país, e que tecnologias de recuperação energética são reconhecidas globalmente como solução de mitigação de curto prazo, criamos as condições para que o programa avance no Congresso e seja incorporado aos instrumentos oficiais da política climática brasileira.
6. Como a ABREN propõe que a agenda de resíduos-energy seja efetivamente integrada a outros programas governamentais, como o Combustível do Futuro, o Metano Zero e as políticas de saneamento básico?
Yuri Schmitke: A ABREN tem defendido que a agenda de recuperação energética de resíduos não pode caminhar de forma isolada. Ela precisa estar integrada aos principais programas governamentais voltados à descarbonização, ao saneamento e à transição energética, porque, na prática, todos esses temas são interdependentes.
O setor de resíduos é hoje uma das maiores fontes de metano do Brasil, e seu enfrentamento exige coordenação entre políticas ambientais, energéticas e urbanas.
Nossa visão é simples: transformar resíduos em energia é uma solução transversal. Integrá-la a essas agendas significa potencializar resultados climáticos, energéticos e urbanos e permitir que o Brasil avance com mais velocidade e eficiência na transição para uma economia de baixo e zero carbono.
7. Os textos mencionam um potencial de mais de R$ 500 bilhões em investimentos. Na prática, quais são os principais obstáculos que ainda afastam o capital privado em larga escala e o que é preciso fazer, em termos de garantias e modelo de negócio, para desbloquear esse potencial?
Yuri Schmitke: Os principais entraves atualmente estão no marco regulatório e na previsibilidade contratual. Falta ao Brasil um mecanismo que viabilize a compra da energia gerada por usinas de recuperação energética de resíduos (URE’s), semelhante ao que ocorre em países da União Europeia e na China.
Há também desafios institucionais (estruturação de PPPs e concessões municipais) e culturais, devido à desinformação sobre o funcionamento das usinas. Tecnologias modernas de recuperação energética são seguras, fiscalizadas e adotadas em larga escala em países como Alemanha, Japão e Dinamarca.
A aprovação de projetos de lei como o PNRE (PL 924/2022) e o Programa Nacional do Metano Zero (PL 3.311/2025) será crucial para criar segurança jurídica, atrair investimentos e acelerar o crescimento do setor.
No caso do Programa Nacional do Metano Zero, a ABREN esteve diretamente envolvida com o projeto. A proposta cria um marco regulatório capaz de integrar a gestão de resíduos à produção de energia renovável, oferecendo as bases para que projetos já prontos e a maioria engavetados, avancem para a implementação. O PL pode abrir caminho para a viabilização das usinas de biodigestão anaeróbica (biogás e biometano) e recuperação energética (UREs) de resíduos sólidos urbanos no país.
Mais recentemente, a partir de setembro, a ABREN tem tabalhado em programa que integra a segunda edição do programa “European Union Climate Dialogues 2 – EUCDs2”. A ação tem como objetivo promover intercâmbios entre o Brasil e a União Europeia a respeito da descarbonização nos setores da agropecuária e resíduos urbanos, por meio da implementação de políticas públicas para o aproveitamento do biogás e do biometano.
Para isso, a ABREN organizou e coordenou uma delegação brasileira oficial que participou, entre os dias 13 a 17 de outubro, da European Biomethane Week 2025, em Bruxelas/Bélgica. Na sequência, foram realizadas reuniões estratégicas e workshops com especialistas das diretorias técnicas da Comissão da UE. Fizeram parte da delegação brasileira representantes do Governo Federal e do Estado de São Paulo.
8. Como o senhor responde aos críticos que argumentam que a energia de resíduos é mais cara do que outras fontes renováveis? De que forma a previsibilidade tarifária e a geração próxima aos centros de consumo, como destacado, compensam esse custo?
Yuri Schmitke: A recuperação energética não é uma solução somente energética. Seu principal objetivo é o saneamento básico, pois reduz os danos à saúde pública e ao meio ambiente. Contudo, como se trata de uma fonte firme, com até 95% de fator de capacidade, geração de até 8.500 horas/ano de forma ininterrupta, ela trará estabilidade e confiabilidade ao sistema elétrico.
Se considerarmos as 28 regiões metropolitanas do Brasil com mais de um milhão de habitantes, que são as áreas que tem escala suficiente para a recuperação energética, é possível atender 49% da população ou do resíduo sólido urbano gerado nessas residências. Isso representaria a geração de 3,3 GW de potência instalada, o que poderá gerar 25 milhões de MWh/ano.
Cada URE é um polo de desenvolvimento regional. Além da energia limpa, gera empregos qualificados em engenharia, manutenção e operação, além de movimentar cadeias produtivas de equipamentos e construção civil.
De acordo com estudos da ABREN, os investimentos previstos até 2040 podem ultrapassar R$ 50 bilhões, com impacto direto na geração de renda, inovação tecnológica e fortalecimento da indústria nacional. Se atingido todo o potencial para atendimento das 28 regiões metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes (49% do RSU nacional), será possível gerar 200 mi empregos na cadeia de valor.
Há também ganhos indiretos expressivos: melhoria da infraestrutura urbana, redução de custos com saúde pública e valorização imobiliária em áreas urbanas saneadas. Cada R$ 1 investido em saneamento gera R$ 4 em economia de saúde pública, segundo dados da OMS.
9. Com base no estudo que aponta potencial para 129 usinas, quais seriam os critérios técnicos e socioeconômicos prioritários para selecionar as localizações dos primeiros projetos emblemáticos no país?
Yuri Schmitke: As regiões metropolitanas são prioridade natural para URE’s. No caso do Brasil, as 28 regiões metropolitanas concentram o maior volume de geração de resíduos sólidos urbanos do país, garantindo escala mínima para viabilizar tecnicamente e economicamente usinas de recuperação energética. A escala necessária, geralmente acima de 1.000 toneladas/dia, está presente principalmente nos grandes centros urbanos.
Além disso, contribuem fatores como densidade populacional, logística e demanda energética. Outro ponto essencial é que existem diversos aterros sanitários e lixões nessas regiões, e as URE’s são substitutas naturais e ambientalmente mais adequadas em comparação com essas opções.
10. O painel da ABREN traz experiências da Europa. Qual é a lição mais importante que o Brasil pode importar de países como Dinamarca e Alemanha em termos de regulação e aceitação pública de usinas WtE?
Yuri Schmitke: A principal lição que o Brasil pode importar de países como Alemanha e Dinamarca é que a recuperação energética de resíduos só se consolida quando há regulação moderna, comunicação transparente e confiança pública. Esses países demonstram que usinas WtE podem coexistir de forma harmoniosa com centros urbanos, alcançando altos padrões ambientais, desde que o marco regulatório seja robusto e que a sociedade tenha acesso a informação qualificada.
A Dinamarca possui Certificado de Origem de Biometano e esse instrumento tem sido crucial para a renovabilidade do gás natural, que atualmente passa de 41%. A Alemanha é protagonista em feed in tariff, tarifas teto de eletricidade para biogás que variam de R$ 200,00 a R$ 1.000,00 por MWh, o que foi crucial no passado para o crescimento do setor de biogás.
Atualmente, a União Europeia tem a meta de quadriplicar a produção de biometano até 2030 por meio de metas e incentivos econômicos, e utiliza a plataforma do Biomethane Industrial Partnership (BIP) para o avanço dessas políticas públicas, com a participação do
governo, academia e empresas de forma integrada.
11. E, por outro lado, qual é o maior desafio especificamente brasileiro (seja regulatório, de mercado ou cultural) que as experiências europeias não enfrentaram e que precisamos resolver internamente?
Yuri Schmitke: Como comentei anteriormente, os principais entraves atualmente estão no marco regulatório e na
previsibilidade contratual. Falta ao Brasil um mecanismo que viabilize a compra da energia gerada por usinas de recuperação energética de resíduos (URE’s), semelhante ao que ocorre em países da União Europeia e na China.
Há também desafios institucionais (estruturação de PPPs e concessões municipais) e culturais, devido à desinformação sobre o funcionamento das usinas. Tecnologias modernas de recuperação energética são seguras, fiscalizadas e adotadas em larga escala em países como Alemanha, Japão e Dinamarca.
12. Qual legado a ABREN almeja construir para o setor de biogás, biometano e WtE nos próximos 5 anos, e qual deve ser a métrica para sabermos se a associação e o setor foram bem-sucedidos?
Yuri Schmitke: O legado que a ABREN busca construir para os setores de biogás, biometano e recuperação energética de resíduos nos próximos cinco anos é o de transformar tecnologias já consolidadas globalmente em políticas de Estado no Brasil, com escala, previsibilidade regulatória e capacidade real de reduzir emissões de metano.
Queremos que o país deixe de tratar o setor de resíduos como um passivo e passe a enxergá-lo como um ativo energético e climático estratégico.
Nosso objetivo na ABREN é estruturar um ambiente em que biogás, biometano e WtE formem um ecossistema integrado, contribuindo simultaneamente para: a redução acelerada das emissões de metano; o avanço do saneamento básico; a geração de energia firme e confiável; a diversificação da matriz renovável; o fim de lixões e aterros sanitários e o desenvolvimento de cadeias industriais de alto valor agregado.
Sobre a ABREN: acesse abren.org.br
O Portal Energia e Biogás agradece ao presidente Yuri Schmitke e a toda a equipe da Associação Brasileira de Energia de Resíduos – ABREN e de sua assessoria de impressa pela entrevista exclusiva.
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