O que ainda limita o crescimento da cadeia do biogás?

Artigos de Opinião
publicado em 05/08/2025 00:01 e atualizado em 05/08/2025 00:09
aproximadamente 18min8s de leitura
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Colunistas do Portal Energia e Biogás analisam os principais desafios para o crescimento do setor em oito países. O Brasil se destaca pelo potencial, mas ainda enfrenta barreiras estruturais em regulação, logística e financiamento.
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Colunistas
Mercado e Oportunidades

O que ainda limita o crescimento da cadeia do biogás?

Colunistas do Portal Energia e Biogás compartilham suas visões.

Por Crislaine Flor, Fábio Soares, Heleno Quevedo, Yaimé DelgadoOscar Valmanã 

 

1.    INTRODUÇÃO 

O setor de biogás enfrenta uma série de limitações que variam de país para país, frequentemente moldados por características específicas como o arcabouço regulatório, infraestrutura, cultura, maturidade tecnológica e acesso a recursos naturais, financeiros e humanos. 

Neste artigo especial do Portal Energia e Biogás, nossos colunistas reuniram percepções comparativas sobre alguns desafios enfrentados por oito países com experiências relevantes no setor: Alemanha, China, Índia, Suécia, Espanha, Reino Unido, Itália e Brasil (por ordem alfabética).

As reflexões aqui apresentadas foram construídas a partir da análise de reportagens, intercâmbio com profissionais do setor e diálogo com diferentes atores da cadeia de valor.

Nosso objetivo é inspirar debates e provocar novas ideias para impulsionar o desenvolvimento do biogás no Brasil, com base nas lições e obstáculos identificados no cenário internacional.

 

2.    TOP 5: DESAFIOS PARA EXPANDIR

A seguir, organizamos os cinco principais pontos que, na percepção do nosso grupo de colunistas, representam os desafios mais recorrentes ao crescimento da cadeia do biogás. Essas reflexões surgiram a partir de conversas, análises comparativas e trocas de experiências entre os autores.

2.1.    Alemanha 

2.1.1.    Saturação de mercado: com um grande número de plantas já instaladas, a competição por matéria-prima e a otimização de custos se tornam desafios maiores. 
2.1.2.    Adaptação a novas legislações: a evolução e atualização das leis de incentivo e subsídios, como a Lei de Energias Renováveis (EEG), exigem que as plantas se adaptem rapidamente para manter a rentabilidade. Regras claras garantem a padronização, otimização e a qualidade dos produtos e serviços das plantas em operação. 
2.1.3.    Otimização da produção de biogás: com o foco em eficiência, o desafio é maximizar a produção de biogás a partir de diferentes substratos, buscando inovações tecnológicas. 
2.1.4.    Gestão de subprodutos: o gerenciamento do digestato (subproduto do biogás), incluindo seu uso como fertilizante e a conformidade com as regulamentações ambientais, é um desafio contínuo. 
2.1.5.    Digitalização e automação: a implementação de tecnologias avançadas para monitoramento, controle e otimização remota das plantas requer investimentos e expertise. 

 

2.2.    Brasil 

2.2.1.    Instabilidade regulatória e burocracia: a falta de um arcabouço regulatório consolidado e a complexidade burocrática para licenciamento e conexão à rede elétrica dificultam o desenvolvimento e a operação de novas plantas. 
2.2.2.    Logística e disponibilidade de matéria-prima: A ampla dispersão geográfica das fontes de resíduos agropecuários, industriais e urbanos, aliada à infraestrutura logística precária, eleva os custos de coleta e compromete o suprimento contínuo de matéria-prima. 
2.2.3.    Acesso a financiamento: a dificuldade em obter linhas de crédito com taxas de juros competitivas e prazos de pagamento adequados desestimula investimentos no setor. 
2.2.4.    Capacitação técnica: a limitada disponibilidade de profissionais qualificados para operação e manutenção de plantas de biogás representa um gargalo técnico relevante para a expansão do setor.  . 
2.2.5.    Percepção pública e social: a falta de conhecimento sobre os benefícios do biogás e a resistência a projetos em algumas comunidades podem gerar obstáculos para a implantação de novas unidades. 

 

2.3.    China 

2.3.1.    Escala e padronização: O desafio está em replicar modelos de plantas de biogás em larga escala, mantendo a qualidade e a eficiência, e em padronizar processos. 
2.3.2.    Gestão de resíduos urbanos e industriais: A diversidade e a heterogeneidade dos resíduos, especialmente os urbanos e industriais, demandam tecnologias robustas e soluções adaptadas. 
2.3.3.    Qualidade do gás e conexão à rede: garantir a purificação do biogás para atender aos padrões da rede de gás natural e a infraestrutura para conexão são desafios técnicos e financeiros. 
2.3.4.    Poluição ambiental: em algumas regiões, a operação de plantas de biogás enfrenta desafios relacionados à mitigação de odores e ao tratamento de efluentes. 
2.3.5.    Financiamento e incentivos sustentáveis: assegurar que os programas de financiamento e os incentivos sejam sustentáveis a longo prazo para o desenvolvimento do setor. 

 

2.4.    Espanha 

2.4.1.    O marco regulatório permanece complexo e em constante evolução: o marco regulatório está sendo consolidado, mas ainda incompleto. A Espanha está atrasada na adoção de marcos legais relacionados à segurança energética e resiliência climática. 
2.4.2.    Limitações econômicas e falta de instrumentos financeiros estáveis: a maior parte dos projetos de biogás só se torna viável financeiramente com o apoio de instrumentos financeiros e fiscais estáveis, como subsídios, ajuda direta, incentivos ou mecanismos que protejam contra as oscilações do preço do gás fóssil.
2.4.3.    Gestão de substratos e digestatos: a dispersão geográfica e a ausência de modelos de gestão coletiva dificultam a eficiência da coleta e transporte dos substratos. Barreiras regulatórias, falta de incentivos e infraestrutura inadequada dificultam o uso agrícola do digestato.
2.4.4.    Infraestrutura insuficiente e baixa implementação tecnológica: é necessário maior investimento em infraestrutura para aumentar a capacidade de produção de biogás e a purificação do biometano para que este possa ser injetado na rede de gás natural. 
2.4.5.    Falta de consciência social e rejeição local: dezenas de casos de oposição local ao desenvolvimento de projetos e construção de plantas de biogás devido a preocupações com odores, impacto visual e o tráfego dos resíduos. Em muitas comunidades autônomas e municípios rurais há protestos e bloqueio de projetos devido à pressão dos moradores. 
 

2.5.    Índia 

2.5.1.    Coleta e transporte de biomassa: a dispersão de pequenas propriedades rurais e a infraestrutura precária dificultam a coleta e o transporte eficientes de biomassa. 
2.5.2.    Manutenção e operação: a falta de treinamento e acesso a peças de reposição pode comprometer a operação contínua e a vida útil das plantas, especialmente as de menor porte. 
2.5.3.    Qualidade da matéria-prima: a variabilidade na qualidade e composição dos resíduos disponíveis pode afetar a estabilidade da produção de biogás. 
2.5.4.    Aceitação social e cultura: em algumas comunidades, a falta de familiaridade com a tecnologia e a percepção de que a planta pode gerar odores ou pragas pode ser um obstáculo. 
2.5.5.    Acesso à eletricidade e venda do gás: a infraestrutura elétrica limitada em áreas rurais dificulta a injeção do biogás na rede, e a criação de mercados para o biogás comprimido ainda é um desafio. 

 

2.6.    Itália 

2.6.1.    Burocracia e licenciamento: o processo complexo e demorado para obter as licenças necessárias para a construção e operação de plantas de biogás é um desafio. 
2.6.2.    Gestão de resíduos orgânicos: a Itália tem um grande potencial para o uso de resíduos orgânicos, mas a coleta seletiva e a gestão eficiente ainda precisam ser aprimoradas em algumas regiões. 
2.6.3.    Envelhecimento das plantas existentes: muitas plantas foram construídas há alguns anos e enfrentam o desafio de modernização e otimização para manter a eficiência. 
2.6.4.    Incentivos e apoio governamental: a estabilidade e a clareza dos mecanismos de incentivo são cruciais para o desenvolvimento contínuo do setor. 
2.6.5.    Conexão à rede e venda do biometano: a infraestrutura para a injeção de biometano na rede de gás e a criação de mercados para o biometano como combustível veicular são desafios importantes. 

 

2.7.    Suécia 

2.7.1.    Integração com a economia circular: o desafio é otimizar a integração das plantas de biogás na economia circular, buscando sinergias com outras indústrias e sistemas de resíduos. 
2.7.2.    Inovação e pesquisa: manter a liderança em pesquisa e desenvolvimento para novas tecnologias de produção de biogás, purificação e uso do digestato. 
2.7.3.    Disponibilidade de substratos específicos: a Suécia tem um foco em resíduos urbanos e industriais, e o desafio é garantir o fornecimento contínuo e a qualidade dos substratos. 
2.7.4.    Competição por usos da biomassa: a competição por biomassa para outros fins (bioenergia, biocombustíveis líquidos) pode afetar a disponibilidade e o custo para as plantas de biogás. 
2.7.5.    Otimização da produção de biogás e biometano: o foco em produzir biometano de alta qualidade para injeção na rede de gás ou uso como combustível veicular exige tecnologias avançadas e processos rigorosos. 

 

2.8.    Reino Unido 

2.8.1.    Custo de capital e operacional: o alto custo de investimento inicial e os custos operacionais contínuos podem ser um desafio para a viabilidade financeira dos projetos. 
2.8.2.    Incerteza política e regulamentar: as mudanças nas políticas governamentais e nos esquemas de incentivo podem impactar a rentabilidade e o planejamento de longo prazo. 
2.8.3.    Disponibilidade de substratos: a competição por resíduos e a necessidade de garantir um fornecimento constante de matéria-prima de qualidade são desafios logísticos. 
2.8.4.    Conexão à rede e infraestrutura: a capacidade da rede elétrica e de gás para absorver a produção de biogás, bem como a infraestrutura de conexão, podem ser limitantes. 
2.8.5.    Aceitação pública e aAmbiental: a necessidade de abordar preocupações da comunidade local sobre odores, tráfego e impacto visual de novas plantas. 

 

3. ANÁLISE DOS DESAFIOS 

O Brasil apresenta uma posição intermediária: compartilha desafios típicos de países em desenvolvimento, mas também enfrenta obstáculos semelhantes aos de mercados mais consolidados, principalmente nas áreas regulatória, logística e de financiamento. 

A partir da análise comparativa dos desafios nos oito países, é possível afirmar que o Brasil ocupa uma posição mista, com características de países em desenvolvimento, mas também desafios comuns a mercados maduros, especialmente no que diz respeito à regulação, logística e financiamento.

 

3.1. Instabilidade Regulatória e Burocracia (Brasil) 

Esse é um gargalo mais crítico no Brasil do que na maioria dos países analisados. 

  • Alemanha, Suécia e Reino Unido enfrentam desafios regulatórios, mas no contexto de ajustes finos em políticas já consolidadas. 
  • Índia e Itália compartilham de burocracias complexas, porém, o Brasil se destaca negativamente pela instabilidade contínua e falta de previsibilidade, dificultando o planejamento de longo prazo. 

📌 Situação do Brasil: Abaixo da média, aqui o problema é mais estrutural e persistente. 

 

3.2. Logística e Disponibilidade de Matéria-Prima 

O Brasil apresenta desafios semelhantes à Índia e China, mas com agravantes logísticos pela extensão territorial e baixa capilaridade de transporte. 

  • Países como Suécia, Alemanha e Reino Unido já têm cadeias logísticas bem estruturadas para coleta e distribuição de biomassa. 
  • Índia e China também enfrentam dificuldades de coleta, mas com forte atuação de cooperativas ou apoio estatal em alguns projetos. 

📌 Situação do Brasil: Na média inferior, infraestrutura deficiente e dispersão das fontes agravam a viabilidade dos projetos. 

 

3.3. Acesso a Financiamento 

Este é um desafio comum, mas o Brasil enfrenta um contexto mais restritivo do que países europeus. 

  • Espanha, Itália e Reino Unido também apontam dificuldades, mas contam com mais instrumentos de financiamento verde e linhas específicas para energias renováveis. 
  • No Brasil, a falta de linhas de crédito estáveis, com taxas e prazos adequados, ainda é um dos principais impeditivos. 

📌 Situação do Brasil: Abaixo da média, especialmente em comparação com países com marcos regulatórios e bancos de fomento consolidados. 

 

 3.4. Capacitação Técnica 

O desafio da formação de mão de obra especializada é compartilhado com Índia e China, mas com diferenças regionais. 

  • Alemanha e Suécia possuem sistemas técnicos e universitários integrados ao setor de biogás. 
  • No Brasil, a formação técnica ainda é incipiente, e há escassez de operadores e engenheiros especializados em plantas. 

📌 Situação do Brasil: Na média dos países em desenvolvimento, com necessidade urgente de investimentos em capacitação profissional. 

 

3.5. Percepção Pública e Social 

Aqui o Brasil está alinhado com a média global, embora existam desafios específicos. 

  • Índia, Reino Unido, Espanha e Itália também relatam resistência social, preocupações com odores e falta de compreensão dos benefícios. 
  • A aceitação social no Brasil tende a melhorar com projetos bem-sucedidos e campanhas de comunicação estratégica. 

📌 Situação do Brasil: Na média, um desafio que pode ser superado com educação ambiental, transparência e envolvimento comunitário. 

 

4. RESUMO COMPARATIVO 

Em comparação aos países analisados, o Brasil apresenta avanços importantes, especialmente no aproveitamento do potencial agroindustrial e na integração do biogás com outras fontes renováveis. No entanto, ainda enfrenta desafios significativos em temas como previsibilidade regulatória, incentivos financeiros, infraestrutura de distribuição e articulação entre os diferentes elos da cadeia. Enquanto países como Alemanha e Suécia demonstram maturidade em políticas públicas e tecnologia, o Brasil ainda busca consolidar um ambiente mais favorável à expansão do setor em escala nacional.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Onde o Brasil se posiciona? 

O Brasil não é o país com os maiores desafios em todas as frentes, mas se destaca negativamente em pontos estruturais fundamentais, como a instabilidade regulatória, a logística deficiente e o acesso restrito a crédito. Esses entraves estruturais dificultam o amadurecimento do setor e colocam o país em desvantagem frente a mercados mais consolidados. 

Por outro lado, o potencial brasileiro é imenso. A abundância de resíduos agroindustriais, urbanos e agropecuários, somada à crescente demanda por fontes renováveis, posiciona o Brasil como um dos países com maior margem para crescimento sustentável na área de biogás. 

Nesse contexto, a principal diferença em relação aos países mais maduros, como Alemanha, Suécia e Reino Unido, é que enquanto esses já enfrentam desafios relacionados à otimização de processos e modernização de plantas existentes, o Brasil ainda está na fase de consolidação de suas bases estruturais e institucionais, necessárias para permitir uma expansão consistente e de longo prazo. 

💡 Essa constatação reforça a urgência de se construir uma metodologia colaborativa e periódica para identificar os principais gargalos do setor. É necessário engajar diferentes atores da cadeia de valor, academia, poder público, startups e sociedade civil em um diagnóstico coletivo, transparente e orientado à ação efetiva. 

Essa constatação reforça a urgência e a oportunidade de criarmos uma metodologia colaborativa e periódica para identificar os principais gargalos do setor. Uma abordagem que envolva os diversos atores da cadeia, setor produtivo, academia, poder público, startups e sociedade civil, para promover um diagnóstico coletivo, transparente e orientado à ação. 

 

6. CONVITE 

 E agora, queremos ouvir você! 

E para você, que atua, pesquisa de mercado ou acompanha de perto o setor: esses Top 5 representam, de fato, os principais desafios para o avanço da cadeia do biogás?

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