Modelos de negócios sustentáveis no campo
Energia, fertilidade e novas oportunidades com resíduos da cadeia de proteína animal
Por Fábio Soares e Heleno Quevedo
Introdução
O setor agropecuário brasileiro passa por uma profunda transformação, impulsionada pela necessidade de sustentabilidade, eficiência produtiva e diversificação de receitas. Os desafios ambientais, o aumento dos custos energéticos e as novas exigências de mercado, relacionadas à rastreabilidade e à responsabilidade socioambiental, vêm conduzindo os produtores rurais a repensar seus modelos de negócio.
Nesse cenário, o aproveitamento de resíduos da cadeia de proteína animal desponta como uma oportunidade estratégica capaz de transformar passivos ambientais em ativos econômicos. Resíduos de bovinocultura, suinocultura e avicultura, tradicionalmente vistos como subprodutos de descarte, podem ser convertidos em fontes de energia renovável, biofertilizantes e créditos de carbono (entre outros certificados de ativos ambientais), fortalecendo a sustentabilidade e a rentabilidade da produção rural.
O presente artigo discute modelos de negócio sustentáveis baseados no uso inteligente desses resíduos, analisando tecnologias disponíveis, viabilidade econômica, incentivos regulatórios e exemplos práticos que comprovam seu potencial de expansão no Brasil.
Economia circular e modelos sustentáveis no agronegócio
A economia circular no campo visa substituir o modelo linear de produção (“extrair, produzir e descartar”) por um sistema de reaproveitamento contínuo de recursos. Na agropecuária, isso significa reutilizar resíduos orgânicos para gerar energia, adubos e insumos agrícolas, reduzindo perdas e custos operacionais.
Os modelos de negócios sustentáveis rurais baseiam-se em três pilares:
- Integração produtiva, que conecta produção animal, geração de energia e cultivo agrícola;
- Diversificação de receita, transformando resíduos em produtos de valor comercial;
- Sustentabilidade ambiental, reduzindo emissões e recuperando nutrientes do solo.
Entre os formatos mais promissores estão:
- Unidades de biodigestão para produção de biogás e biofertilizantes;
- Plantas de purificação (upgrading) de biogás para obtenção de biometano;
- Sistemas de cogeração elétrica e térmica, que aproveitam o biogás como combustível;
- Cooperativas e consórcios intermunicipais para tratamento compartilhado de resíduos;
- Centros de valorização de resíduos agropecuários, integrando energia, adubo e créditos de carbono.
Viabilidade econômica e fontes de receita
A adoção de tecnologias de biodigestão deixou de ser uma solução apenas ambiental e passou a ser um negócio economicamente viável. Estudos técnicos apontam que, dependendo da escala e do destino do biogás, o investimento inicial pode ter payback entre 3 e 6 anos, podendo ser ainda mais rápido em regiões com incentivos fiscais ou energia mais cara. As fontes de receita direta incluem:
- Venda de energia elétrica gerada a partir do biogás, atendendo ao mercado livre de energia elétrica;
- Comercialização de biometano como combustível veicular ou industrial;
- Venda de biofertilizantes líquidos e sólidos derivados do digestato;
- Prestação de serviços de tratamento de resíduos para terceiros.
Além disso, o produtor pode obter receita indireta, como:
- Redução do custo com energia elétrica e fertilizantes químicos;
- Recebimento de créditos de carbono, crédito de descarbonização (CBIOs), entre outras certificações como CGOB, GAS-REC, I-REC ou participação em programas ambientais;
- Valorização da marca e da produção por meio da melhoria da imagem socioambiental da propriedade rural..
Esse novo perfil de empreendimento rural transforma o produtor em agro empreendedor energético, capaz de gerar e comercializar recursos dentro de uma cadeia produtiva circular.
Geração de energia e produção de biometano
O biogás obtido a partir da digestão anaeróbia de resíduos orgânicos contém, em média, 55% a 70% de metano (CH₄). Esse gás pode ser utilizado diretamente em geradores para produção de energia elétrica, alimentando granjas, ordenhadeiras e sistemas de aquecimento, sistemas de irrigação, ou em motores de cogeração, que produzem eletricidade e calor simultaneamente.
Com o avanço das tecnologias de purificação, o biogás pode ser transformado em biometano, um gás com pureza acima de 96% de metano, equivalente ao gás natural veicular (GNV). Esse produto pode ser:
- Utilizado como combustível em tratores, caminhões e veículos agrícolas;
- Injetado na rede de distribuição de gás natural, conforme regulamentação da ANP;
- Armazenado e comercializado como biocombustível renovável.
O Brasil já possui plantas em escala industrial bem-sucedidas nesse campo, com usinas de biometano em funcionamento no Paraná, São Paulo e Mato Grosso, integrando cooperativas e agroindústrias. Esses modelos comprovam que a bioenergia pode ser gerada e consumida localmente, garantindo autossuficiência energética no campo.
O papel dos biofertilizantes e a sustentabilidade agronômica
O resíduo final da biodigestão, o digestato, é um efluente rico em nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K), além de micronutrientes e matéria orgânica estabilizada. Quando suas especificações atende a legislação para uso agronômico, pode ser utilizado como biofertilizante natural com aplicação ao solo, trazendo benefícios como:
- Aumenta a fertilidade natural e a retenção de umidade;
- Melhora a estrutura e a microbiota do solo, estimulando a regeneração agrícola;
- Substitui parcial ou totalmente os fertilizantes minerais sintéticos;
- Reduz a dependência de insumos importados e emissões associadas à sua produção.
A utilização de biofertilizantes na agricultura é uma peça-chave na transição para sistemas agroecológicos e regenerativos, promovendo um ciclo fechado de nutrientes entre a criação animal e o cultivo vegetal.
⇒ Sintonize no Biogás: ouça episódios de podcast
Mercado de carbono e certificações ambientais
A redução de emissões de gases de efeito estufa obtida com a captura e uso energético do metano abre espaço para a geração de créditos de carbono. O produtor que implanta um sistema de biodigestão pode registrar o projeto em plataformas de mercado voluntário ou no RenovaBio, recebendo Créditos de Descarbonização (CBIOs).
Esses instrumentos representam novas fontes de renda ambiental, especialmente para produtores organizados em cooperativas ou consórcios. Além disso, a adoção dessas tecnologias facilita o enquadramento em certificações ESG, ISO 14001, Bonsucro, GlobalG.A.P., CGOB, GAS-REC e I-REC agregando valor à produção agropecuária nacional.
Inovações tecnológicas e digitais no campo
As tecnologias digitais vêm revolucionando o modo como o produtor gerencia sua propriedade. No contexto dos resíduos, destacam-se:
- Sensores e sistemas IoT para monitoramento automático de biodigestores (pressão, pH, temperatura e volume de gás);
- Softwares de gestão energética, que integram dados de geração, consumo e comercialização;
- Sistemas híbridos de energia rural, combinando biogás com solar fotovoltaica e eólica.
Essas inovações tornam o processo mais previsível e eficiente, permitindo que até pequenos produtores adotem soluções antes restritas a grandes empreendimentos.
Modelos coopera06tivos e processamento compartilhado
O modelo de integração regional de produtores, com unidades de biodigestão compartilhadas, tem se mostrado altamente viável. Cooperativas e associações podem coletar e processar resíduos de vários produtores, diluindo custos e ampliando o volume de biogás e biofertilizantes gerado. Entre as vantagens:
- Economia de escala e redução de investimento individual;
- Gestão ambiental integrada, minimizando riscos e passivos;
- Geração de empregos locais e desenvolvimento regional sustentável;
- Possibilidade de receber resíduos de terceiros, cobrando tarifas de processamento.
Esse formato já é realidade em polos rurais do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, e tende a se expandir com o avanço do crédito rural verde.
Regulação, incentivos e linhas de financiamento
O ambiente regulatório brasileiro evoluiu rapidamente. A ANP estabeleceu critérios para a qualidade e comercialização do biometano (Resoluções nº 886/2022 e nº 906/2022), enquanto o MAPA e o MME impulsionam o Programa Nacional de Biogás e Biometano. Existem diversas linhas de crédito específicas:
- Pronaf e Pronamp Bioeconomia, com juros reduzidos;
- BNDES Finem Energia Renovável;
- FCO Verde e FNE Verde, voltados à sustentabilidade no Centro-Oeste e Nordeste;
- entre outras.
Esses instrumentos tornam os investimentos em bioenergia rural financeiramente acessíveis e tecnicamente viáveis.
Perspectivas futuras e internacionalização
O futuro da agropecuária passa pela integração entre energia, alimentos e sustentabilidade. O Brasil, por sua diversidade agrícola e base tecnológica consolidada, tem potencial para se tornar líder mundial em bioenergia rural. Tendências que devem ganhar força:
- Expansão dos corredores azuis de transporte pesado, movidos a biometano;
- Interligação de microgerações rurais à rede elétrica nacional;
- Exportação de créditos de carbono e certificações ambientais como ativos de exportação agrícola.
Essas transformações apontam para um modelo de agronegócio mais competitivo, limpo e autossuficiente, alinhado às metas globais de descarbonização e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Considerações finais
O aproveitamento de resíduos da cadeia de proteína animal não é apenas uma alternativa ambientalmente correta, é uma estratégia inteligente de geração de riqueza e sustentabilidade. Ao adotar modelos de negócio baseados em biogás, biometano e biofertilizantes, o produtor rural:
- Reduz custos e riscos ambientais;
- Gera energia e insumos localmente;
- Diversifica fontes de receita;
- E se posiciona como agente ativo da bioeconomia e da transição energética brasileira.
Com regulação favorável, tecnologias acessíveis e incentivos financeiros em expansão, o campo brasileiro está preparado para liderar uma nova revolução: a revolução da energia limpa e dos resíduos valorizados, que une produtividade, inovação e responsabilidade ambiental em um mesmo ciclo virtuoso.
Leia também
- O que é biometanocultura?
- O que é biometanocultor?
- Biometanocultura: uma nova atividade agroeconômica
- Biometanocultura, nova cultura da agropecuaria
A ENVIROSERVICESSO em parceria com Portal Energia e Biogás, oferece serviços completos de consultoria técnica e treinamento voltados ao desenvolvimento de negócios sustentáveis no setor de bioenergia e aproveitamento de resíduos agropecuários. Atuamos desde a concepção do projeto até a operação plena, elaborando estudos de viabilidade técnica e econômica, planejamento e desenvolvimento de empreendimentos, processos de licenciamento ambiental, acompanhamento de obras, e avaliação de eficiência e rendimento dos sistemas de biodigestão e purificação de biogás. Também realizamos capacitação de operadores e equipes técnicas, garantindo a operação segura e otimizada das unidades produtivas. Todos os projetos são elaborados levando em consideração a capacidade de investimento e o perfil de cada produtor ou empresa, assegurando soluções viáveis, personalizadas e sustentáveis. Entre nossos clientes estão GIZ Brasil, NIRAS, Araxá Engenharia, Monto Engenharia, MeLe Biogás, MDC Energia, ADEEL Agroenergia, entre outros importantes players do setor. Estamos à disposição para assessorar o desenvolvimento do seu projeto e transformar resíduos em energia, fertilidade e novas oportunidades de negócio. Conte conosco!
Acesse: EnviroServices.com.br
E-mail: [email protected]
A coluna Horizontes do Biogás aborda questões importantes relacionadas à gestão de resíduos e análises das emissões de GEE para uma transição energética de baixo carbono.
Gostou do assunto?
Quer saber mais sobre o biogás no Brasil?
Autor: Fábio Soares
Este artigo não é de autoria do Portal Energia e Biogás. Os créditos e responsabilidades sobre o conteúdo são do autor. O Portal oportuniza espaço para especialistas publicarem artigos e análises relacionados ao mercado de biogás, biometano e digestato. Os textos não refletem necessariamente a opinião do Portal.
Modelos de negócios sustentáveis no campo
Redução das emissões de metano
Biogás e COP30
O que é biometano?
Analisadores de Biogás
Biometano: decreto nº 12.614/2025 e o Certificado de Origem (CGOB)
Conheça as 19 carreiras mais requisitadas
Pré-tratamento enzimático