Digestato em foco no mundo
Biogas Journal (edição Spring 2025)
Por Crislaine Florzino Flor — Colunista do Portal Energia e Biogás,
Uma reportagem da edição Spring 2025 do Biogas Journal, descreve a fazenda Querdel, localizada em Sassenberg-Füchtorf na Alemanha, que transforma o digestato em um insumo estratégico para a horticultura.
Na propriedade alemã, o processo é de fermentação seca. O digestato permanece 200 dias em sistema fechado, depois passa por separação mecânica. A fração sólida, com 25% de matéria seca, substitui fertilizantes minerais na fazenda. São aplicadas aproximadamente entre 40 e 50 toneladas ao ano em 9 hectares de estufas de tomate, pepino e pimentão, conforme recomendações agronômicas baseadas em análises dos solos. A integração energia-nutriente permite reduzir 40% do consumo de cavacos de madeira para aquecimento, sinalizando ganhos simultâneos de carbono e de caixa.
Em contrapartida, a reportagem menciona que na Bélgica aposta em micro biodigestores conteinerizados movidos a 100% de esterco líquido. Cada tonelada de dejeto bovino gera aproximadamente 33m³ de biogás. O digestato líquido retorna às pastagens, mas sem um programa federal unificado, ou seja, as fazendas tratam requisitos de calor útil e manejo de esterco de forma distinta, refletindo a fragmentação regulatória nacional. A ausência de metas claras e de legislação específica para nutrientes dificulta o enquadramento do digestato como biofertilizante, ao contrário do modelo alemão.
Na Bélgica, além dos micro digestores agrícolas, a revista demonstra o avanço em unidades industriais híbridas, onde há forte incentivo para a codigestão de esterco com resíduos alimentares. Entretanto, a aplicação agrícola desse material ainda enfrenta desafios relacionados ao excesso de fósforo e restrições ambientais. A falta de critérios unificados para o enquadramento do digestato como fertilizante orgânico comercial dificulta sua certificação e amplia a dependência de parcerias locais entre plantas e agricultores para viabilizar o uso sustentável do insumo.
A Bélgica possui um cenário dividido: na região de Flandres, a política de apoio ao biogás é mais consolidada, com estímulos à codigestão de resíduos agroindustriais e alimentares, enquanto a região da Wallonia prioriza projetos de pequena escala com foco agrícola. A maioria das plantas trabalha com codigestão, e cerca de 75% da energia gerada a partir do biogás é usada para geração combinada de calor e eletricidade. Entretanto, um dos principais entraves permanece na gestão do digestato: o excesso de fósforo nas formulações, as restrições ambientais locais e a ausência de uma legislação federal clara dificultam o uso agronômico em larga escala. A Biogas Journal destaca, ainda, que, para alcançar as metas de 8 TWh/ano de biometano até 2030, será necessário integrar políticas de valorização do digestato, tanto como biofertilizante quanto como componente da economia circular regional.
Ainda na Alemanha, a revista apresenta um piloto de reativação aeróbia do lodo digestato em estação municipal: injeção controlada de ar reduziu em 25% o volume final de sólidos, retirou o nitrogênio residual e elevou a produção de biogás em até 55%, mostrando como processos pós-digestão podem alinhar eficiência energética e mitigação de emissões.
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No Brasil, um levantamento com 500 plantas de digestão anaeróbia identificou que 79% delas utilizam resíduos agropecuários como substrato, embora respondam por apenas 11% da produção nacional de biogás. A maioria opera em pequena escala — 78% geram menos de 500 000 Nm³ ano⁻¹ — e 89 % produzem eletricidade para autoconsumo, devolvendo o digestato diretamente às lavouras como biofertilizante. O estudo conclui que, em unidades rurais, o reaproveitamento local do digestato reduz custos com adubos minerais e fecha o ciclo de nutrientes, mas aponta a necessidade de padronizar análises e boas práticas de aplicação para mitigar riscos ambientais (Mühl & Oliveira, 2022, Cleaner and Circular Bioeconomy com base nos dados extraídos da base do CIBiogás em julho de 2021).
Ensaios agronômicos reforçam esse potencial: em Castanhal (PA), a aplicação de digestato bovino puro elevou a produtividade da alface em até 1200 % na massa fresca e 400% na massa verde em comparação ao controle, comprovando ganhos expressivos para a agricultura familiar amazônica. Estudos semelhantes no Paraná também demonstraram melhora da estrutura do solo e incremento de macro e micronutrientes após a adição de digestato suíno, sem exceder limites de metais pesados. Esses resultados, aliados ao avanço de normativas como a Instrução Normativa MAPA 61/2020 e regulamentos estaduais (por exemplo, IMA-SC 11/2022), indicam que o país está consolidando diretrizes técnicas e legais para transformar dejetos de animais em fertilidade do solo e ampliar a economia circular nas fazendas agroindustriais.
Referências consultadas
- Biogas Journal Spring 2025. Fachverband Biogas e.V., Alemanha. Disponível em: biogas.org - Biogas Journal
- European Commission (2023). EU Strategy for Sustainable Fertilizers. Disponível em: europa.eu/commission/presscorner
- Mühl, D. D.; de Oliveira, L. (2022). Features of anaerobic digestion plants in the Brazilian agricultural sector. Cleaner and Circular Bioeconomy, 1, 100001. Disponível em: researchgate.net
- Brasil, N. M. Q. X. et al. (2021). Avaliação do biogás e aplicação do biofertilizante de dejetos bovinos no cultivo de Lactuca sativa. Revista Ibero-Americana de Ciências Ambientais, 12, 226-232. Disponível em: researchgate.net/publication
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Autora: Crislaine Flor Publicado em: 18 de junho de 2025.
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