Modelagem Matemática na Digestão Anaeróbia
O modelo matemático de Hashimoto como uma referência significativa na pesquisa e otimização de reatores anaeróbios.
Por Heleno Quevedo - Colunista do Portal Energia e Biogás
Introdução
A modelagem matemática é uma ferramenta indispensável no estudo e no desenvolvimento de processos de digestão anaeróbia (DA). Ela possibilita o dimensionamento mais eficiente de reatores e a otimização das etapas envolvidas na conversão de matéria orgânica em biogás. No entanto, a complexidade intrínseca do processo, que envolve múltiplas reações bioquímicas e a interação de diversos micro-organismos com substratos variados, desafia a criação de modelos que representem plenamente a realidade. Assim, o desenvolvimento de modelos simplificados, porém precisos, é essencial para aproximar os resultados simulados das condições reais, viabilizando aplicações práticas e acessíveis, mesmo diante das exigências computacionais e financeiras.
Modelagem do processo de digestão anaeróbia
Conforme estudos apresentados por Balmant (2009), Queen (2006), Patza (2006), Pinto (2006), Rodríguez (2003), entre outros autores, a modelagem matemática é uma ferramenta que proporciona diversas vantagens no dimensionamento e aperfeiçoamento do processo de digestão e na concepção de reatores mais eficientes.
Entretanto, não há um modelo matemático que consiga representar fielmente a complexidade de todas as reações envolvidas por todos os micro-organismos presentes no processo de digestão anaeróbia, ao longo do tempo. Balmant (2009) destaca que com a ampla variedade da composição dos substratos e da atuação de diferentes micro-organismos, uma modelagem mais precisa do processo anaeróbio torna-se muito complexa e inviável.
Neste contexto, a necessidade de simplificar os modelos torna-se imprescindível. O modelo ideal deve permitir que a partir de um conjunto limitado de dados de entrada seja possível obter, através de ajustes, dados de saída que se aproximem o máximo possível das condições reais, considerando um determinado tempo de resposta e com um custo adequado.
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Quanto maior o grau de exigência e precisão da modelagem, maior será a demanda por recursos computacionais, capital humano especializado e investimentos financeiros. Os diferentes modelos matemáticos desenvolvidos por diversos autores baseiam-se em balanços de massa do processo de digestão anaeróbia a partir do equilíbrio das reações bioquímicas dos produtos consumidos e excretados pelos micro-organismos, de acordo com Rodríguez (2003).
Schmidell et al. (2001) faz uma apresentação de alguns modelos cinéticos descrito na literatura usados para representar diversos fenômenos identificados em processos fermentativos. Inicialmente destaca o modelo de Monod e as variações deste modelo apresentadas nos modelos de Moser e Contois, usados para determinar o crescimento num único substrato limitante.
Também é apresentado o modelo de Andrews HASHIMOTO (1982 e 1984), cujo principal característica do modelo é a utilização de uma função de inibição para relacionar a concentração de substrato e taxa de crescimento específico. No trabalho de Gavala, Angelidaki & Ahring (2003) também são abordados modelos que relacionam crescimento dos micro-organismos com múltiplos substratos limitantes e com produção de produtos metabólicos associados ou não ao crescimento. Além dos modelos cinéticos descritos, podemos citar o modelo de Hashimoto para estimar a produção de biogás.
Modelo matemático desenvolvido por Hashimoto
Andrew G. Hashimoto, Ph.D. em engenharia agrícola pela Universidade Cornell em 1972, pesquisou e desenvolveu modelos de bioconversão de resíduos agropecuários em gás metano. De acordo com Souza (2001), Hashimoto, em seus estudos, apresenta um modelo matemático adaptado para processo de digestão anaeróbia dos dejetos de animais. Jiménez et al. (2006) avaliam que as principais características do modelo são:
- modelo adequado para aplicações em sistemas de fluxo contínuo, semi-contínuo ou sistemas mistos,
- os micro-organismos predominantes no sistema anaeróbio não precisam estar presentes no afluente,
- a produção de metano é diretamente proporcional à assimilação do substrato biodegradável,
- o metano e o dióxido de carbono são os principais produtos finais da biodegradação da matéria orgânica.
A Equação estruturado para esse modelo representa o modelo cinético do estado estacionário das taxas de produção de metano. De acordo com Jiménez et al. (2006) o modelo Hashimoto prediz o comportamento dos reatores anaeróbios com muita precisão e os seus parâmetros representam de forma adequada a atividade dos micro-organismos que afetam a biodigestão em temperaturas mesofílicas.
Benefícios da modelagem matemática na digestão anaeróbia
De modo geral, os principais benefícios da modelagem matemática no processo de digestão anaeróbia visam:
- Otimização do dimensionamento e operação de reatores: A modelagem matemática permite o dimensionamento eficiente de reatores e a otimização do processo de conversão de matéria orgânica em biogás, maximizando a eficiência operacional e reduzindo custos.
- Previsibilidade e controle do processo: Ferramentas como o modelo de Hashimoto possibilitam prever o comportamento de reatores em condições específicas, como sistemas de fluxo contínuo ou semi-contínuo, proporcionando maior controle sobre as etapas da digestão.
- Simplificação de sistemas complexos: Apesar da complexidade do processo, a modelagem simplifica as reações bioquímicas envolvidas, permitindo análises práticas e aplicáveis no desenvolvimento de soluções industriais.
- Versatilidade e adaptabilidade: Os modelos matemáticos são aplicáveis a diferentes tipos de substratos e condições operacionais, mesmo em situações onde há variação dos micro-organismos presentes no afluente.
- Desenvolvimento de tecnologias e viabilidade econômica: A modelagem contribui para o desenvolvimento de tecnologias avançadas, equilibrando precisão e custos, o que viabiliza o uso de reatores mais eficientes e econômicos, promovendo a expansão da digestão anaeróbia como solução sustentável.
Conclusão
Embora nenhum modelo matemático consiga abarcar toda a complexidade da digestão anaeróbia, os avanços na área têm permitido o desenvolvimento de ferramentas cada vez mais eficazes e aplicáveis.
Modelos como o de Hashimoto demonstram que é possível prever com precisão o comportamento de reatores em condições específicas, contribuindo significativamente para a eficiência e a viabilidade econômica do processo.
A contínua busca por equilíbrio entre simplificação e precisão será crucial para impulsionar o uso da modelagem matemática como aliada na expansão e no aprimoramento de tecnologias voltadas à produção de biogás.
O texto é parte do trabalho: HQ Lima, Avaliação dos Modelos Hashimoto e AMS-III. D para produção de metano com dejetos suínos, Dissertação (Mestrado em Energia). Santo André: Universidade Federal do ABC, 2011.
Referências Bibliográficas
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Autor: Heleno Quevedo
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